quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ENSAIO CRÍTICO DO FILME “O OUTRO LADO DE HOLLYWOOD” E DO TEXTO “CINEMA E SEXUALIDADE”





UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
DISCIPLINA GÊNERO E SEXUALIDADE NOS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO CONTEMPORÂNEOS
PROFESSOR HENRIQUE CAETANO NARDI
GRADUAÇÃO EM ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMAS DE SAÚDE



Esta resenha crítica tem por objetivo estabelecer uma relação entre o documentário reproduzido em aula - “O Outro Lado de Hollywood” de Rob Epstein e Jeffrey Friedman - e o texto de referência - “Cinema e Sexualidade” de Guacira Lopes Louro - além de uma síntese descritiva e crítica. Para auxiliar na construção desse trabalho também foram assistidos os filmes: “De Repente, no Último Verão” (Studdenly, Last Summer, 1959) de Joseph L. Mankiewicz; Transamérica (2005) de Duncan Tucker; “Desejos Proibidos” (If These Walls Could Talk 2, 2000) de Jane Anderson/1961, Martha Coolidge/1972 e Anne Heche/2000; “Traídos pelo Desejo” (The Crying Game, 1992). O documentário exibido em aula e texto abordam as temáticas de sexo, gênero e sexualidade na história do cinema, quais os impactos e as influências que refletem em nossa sociedade na construção das identidades sexuais.
O “O Outro Lado de Hollywood” é um documentário que aborda a sexualidade na história do cinema, desde sua origem, assim como referências LGBTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros - de diversos filmes, algumas que podem passar desapercebidas por quem assiste. O documentário está estruturado alternando cenas de filmes, como alguns clássicos do cinema, filmes alternativos e de todas as décadas com trechos de depoimentos de pessoas famosas, atores, produtores, diretores, etc.
O código Hays de censura cinematográfica, apontado tanto no documentário, quanto no texto, foi instituído em 1934, por Will Hays, e estabelecia regras referente aos temas que não poderiam ser abordados no cinema. As regras eram invioláveis e não poderia ser representado nas telas: beijos de boca aberta, perversão sexual, sedução, estupro, aborto, prostituição, nudez, obscenidades, etc. “... a identidade homossexual simplesmente não existia.” - Guacira Lopes - Tinha por objetivo livrar a moral e os bons costumes americanos da influência lasciva dos filmes de Hollywood, segundo seu criador, nem que para isso fosse necessário trocar palavras dos roteiro, alterar personalidades e tramas.
Por isso, durante muitos anos os homossexuais não podiam ser retratados explicitamente nos filmes, mas isso não eliminou definitivamente a homossexualidade das telas, mas a tornou mais difícil de se identificar, não era mencionada, todavia continuava sendo representada e chamava a atenção do público gay. Todos os espectadores querem se ver representados nas telas e foram criados, nos filmes, sinais de homossexualidade em detalhes, gestos sútis ou nas entrelinhas dos diálogos entre os personagens. O público gay aprendeu a identificar essa forma semi oculta ou codificada de expressão, que passou a ser utilizada também no cotidiano, assim como nos filmes.
O texto de Guacira Lopes também utiliza exemplos de vários filmes para abordar a questão da homossexualidade na história do cinema e está divididos em quatro partes principais:



Ingênuas ou Fatais & Heróis ou Canalhas: Nos anos 50, período do pós guerra, fez-se necessário uma estratégia para promover a volta ao lar as mulheres que adquiriram certa independência e deter o avanço do movimento feminista , o objetivo era chamar a atenção do público com personagens de personalidades bem definidas e posicionadas, ensinava a diferenciar o certo e o errado e representar isso através do caráter desses personagens. Os personagens “bonzinhos” eram aqueles que tinham condutas que estavam dentro da normalidade imposta pela sociedade, para esses era reservado um final feliz, enquanto os “malvados”, representados por condutas sexuais questionáveis ou colocavam em risco a instituição sagrada da família ou a sociedade enquanto sistema, tinham um desfecho trágico e digno de pena. Inicialmente a homossexualidade foi representada no cinema, como fonte de humor por personagens caricatos (“Eram todos muito afetados, estes magros homens brancos com pequenos bigodes...” - Woopi Goldberg) que faziam o público rir, sentir pena com os finais trágicos para quem demonstra uma sexualidade fora dos padrões de aceitação social ou temer com os vilões que querem “perverter sexualmente” os /as mocinhos (as). Desde os filmes mudos já haviam representações dos homossexuais através de mimicas e gesticulações efeminadas das personagens, que estavam estabelecendo um esteriótipo do homossexual para sociedade, ninguém falava a respeito, mas todos sabiam o que estava sendo representado, a única manifestação da platéia eram as risadas. Os filmes tem o poder de "ensinar" o público a formar uma opinião em relação a realidade, neste caso ensinar os heterossexuais o que pensarem em relação aos gays e os gays o que pensarem de si mesmos.



De Repente... o Homossexual Entra em Cena: A primeira aparição de um personagem homossexual – Sebastian – em um filme comercial americano foi em “De Repente, no Último Verão” (Studdenly, Last Summer, 1959). A homossexualidade do personagem é sugerida pela descrição de sua personalidade, marcada pela afetação, arrogância e excentricidade. Não somente por essas características, mas também pelos relatos de sua prima Catherine (Elizabeth Taylor): “Sebastien era uma vocação, não era um homem.” / “...todos gostavam dele: homens, mulheres, crianças, minerais e vegetais.” - afirmando também que junto com sua tia Violet (Katherine Hepburn) eram usadas como iscas de Sebastian para atrair “os melhores peixes para rede”. O Dr Crucroviks (Montgomery Glift) trabalhava no hospital Lion Wiew State Asylum, as péssimas condições do hospital ficam evidentes, a sala de cirurgia desmoronando e as luzes apagando durante um procedimento de lobotomia. Violet afirma ter intenções de criar a Fundação Sebastien Venable, em memória ao seu filho falecido, que teria por objetivo financiar os jovens médicos promissores e sem recursos como o Dr. Crucrovicks, mas na realidade tentava persuadi-lo a realizar um procedimento de lobotomia em sua sobrinha Catherine, que havia sido internada no Hospital Sta Maris, após a morte de Sebastian. A real intenção de Violet é silenciar sua sobrinha, unica testemunha do que realmente aconteceu com seu filho. Sebastian não tinha falas durante o filme, nem mesmo seu rosto foi mostrado, foi representado como um monstro que não deveria ser mostrado e assim morreu como um monstro - pode-se até fazer uma analogia com o personagem Frankenstein - como foi mostrado no documentário - foi perseguido por flagelados famintos e devorado (no sentido literal), ele merecia morrer. Um final trágico para uma sexualidade fora dos padrões e um final feliz aos mocinhos (as) que ficam juntos: Sebastian e Catherine.



Muitas Formas de Amar: O filme Desejos Proibidos (2000) está dividido em 3 histórias que se passam em uma mesma casa, mas em épocas diferentes. Na primeira história, que se passa em 1961, Edith (Vanessa Redgrave) que tevem uma relação durante 50 anos com Abby (Marian Seldes), tem que enfrentar a morte da sua companheira, que morre após uma fatalidade, mas além de enfrentar a dor da perda tem que lidar com o fato de não ser legitimada como companheira. Tanto no hospital com a diferenciação com que a mulher que perde seu marido e a “amiga”, quanto pelos herdeiros de Abby, ela se vê obrigada a suforcar silenciosamente o verdadeiro sentimento e é tratada como uma amiga da falecida. No segmento do 1972, quatro amigas e estudantes universitárias que moram juntas, são expulsas de um grupo feminista por serem lésbicas – as feministas são categóricas ao dizer que a prioridade é lutar pelos diretos das mulheres e que naquele momento, no grupo, não há espaço para as lésbicas. Linda (Michelle Williams) e suas amigas vão ao único bar gay da cidade, onde acaba conhecendo Amy (Chloë Sevigny) e se apaixona. Enfrenta os próprios preconceitos, pois Amy se veste como homem, e de suas colegas e amigas feministas que lutam para se livrar dos padrões de dominação masculina. No último episódio, no ano de 2000, é abordado de uma perspectiva mais amena, trata-se da história de um casal de lésbicas, Fran (Sharon Stone) e Kal (Ellen DeGeneres), que desejam ter um filho somente delas. Mostrando as dificuldades para encontrar o doador de sêmen ideal.



Travessias: nesta parte a autora fala sobre filmes que se passam em um ambiente de viagem, fazendo uma alusão as transformações, não apenas como um rito de passagem, mas as transformação biologicas.
Transamérica (2005) é um road-movie, ou seja, um filme que se ambienta durante uma viagem, dando a idéia de travessia e mudança, assim como o título no cartaz do filme o prefixo TRANS está diferenciado da palavra AMÉRICA (TRANSAMERICA), dando uma idéia de transformação, mas também fazendo uma referência a personagem principal que é uma transsexual – Bree (Felicity Huffman). Bree tem como principal objetivo de vida a cirurgia de mudança de sexo, quando está quase realizando seu sonho, recebe uma ligação que poderá adiar seu grande desejo. Através dessa ligação, descobre que tem um filho adolescente (Toby – Kevin Zegers), consequência de sua única relação heterossexual durante os tempos de faculdade. Pressionada por sua terapeuta e melhor amiga , acaba cruzando a América do Norte de leste a oeste para encontrar seu filho, a viagem de ida representa um resgate de suas raízes heterossexuais e a volta uma prova de que realmente estaria pronta para a transformação – a cirurgia.



The Crying Game (1992) de Neil Jordan: vencedor de 18 prêmios e 16 indicações, é um filme marcante e com incríveis lições de vida. Jody (Forest Whitaker) é um soldado britânico na Irlanda, atraido por Jude (Miranda Richardson) para uma emboscada, acaba sequestrado pelo Exército Republicano da Irlanda que deseja obter na troca do soldado a libertação de um de seus maiores líderes preso no Reino Unido. No cativeiro Jody torna-se amigo de seu carcereiro Fergus (Stephen Rea), com quem compartilha suas últimas 72 horas de vida. Fergus tem a missão de executar Jody caso a exigência de libertar seu companheiro não seja atendida. O filme então dá a idéia de ser um filme que trata de ideais políticos, mas paulatinamente a trama vai se alterando. A relação entre ambos se estreita e compartilham risadas, segredos e confições. Jody divide com seu companheiro que tem uma quase esposa Dil (Jaye Davidson), revela esse amor, diz que mulheres são encrenca, mas que Dil não é encrenca. Pede para seu amigo que após sua morte procure por ela, leve-a para tomar um Martini no bar O MÊTRO e diga que pensou nela em seus últimos momentos de vida. Jude é uma mulher sedutora, dura e sua personalidade demonstra requintes de crueldade, após ser subtamente atacada por Jody, torna-se insensível e indiferente a situação dramática e humilhante em que se encontra o soldado inglês e, acaba o agredindo covardemente, ao contrário de Fergus que fica cada vez mais próximo da vítima. No momento da execução de Jody, o soldado irlandês motivado por uma mistura de solidariedade, pena e culpa, tira o capuz do refém, para que esse não morra como um animal. Aproveitando a situação, a vitima corre pela floresta na tentativa de salvar sua vida, ironicamente morre atropelado por um tanque de guerra daqueles que deveriam salvá-lo.
Após a morte de Jody, Fergus foge de barco para o Reino Unido, com o objetivo de tornar-se um Sr. Ninguém (como o chama Jude quando se reencontram), um operário de obras anônimo que trabalha para o mesquinho Deveroux (Tony Slattery). Em Londres tentando se redimir da culpa pela morte de Jody, procura a quase esposa do falecido amigo. Dil é uma transexual bem resolvida, bonita, superticiosa, autentica (Não posso evitar o que sou. - diz se afirmando) e trabalha de cabeleireira.
Surpreendendo tanto o protagonista como o espectador, ambos podem ficar com cara de bobos ao descobrir a verdade de Dil. Fergus se acha o espião no estilo da máfia irlandesa, mas acaba estarrecido quando Dil revela por inteiro seu corpo andrógeno. Em um misto de nojo e repúdio, Fergus corre ao banheiro para vomitar.
Jude volta a aparecer, junto com seu cúmplice Maguire (Adrian Dunber), chantageiam Fergus para que mate um juiz, mas acabam se dando mal. Maguire é morto pelos seguranças do juiz e Jude vai atrás de Fergus para se vingar e acaba sendo morta por Dil. No final Fergus assume a culpa do crime no lugar de Dil, o filme termina com Dil indo na cadeia visitar Fergus e supõe que após obter sua liberdade, os dois acabem juntos.
A construção de quem nós somos vem da nossa cultura, aprendemos o que é ser homem ou o que é ser mulher e o que é sexualidade através de padrões que estão pré-estabelecidos de acordo com a época em que vivemos. Através dos questionamentos que trazem para o nosso cotidiano, os filmes são capazes de construir, modificar e destruir tabus.

RESENHA DO FILME “MADAME SATÔ E DOS TEXTOS “HOMOSSEXUALIDADES BRASILEIRAS” E “ENTRE AS TRAMAS DA SEXUALIDADE BRASILEIRA”





UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
DISCIPLINA GÊNERO E SEXUALIDADE NOS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO CONTEMPORÂNEOS
PROFESSOR HENRIQUE CAETANO NARDI
GRADUAÇÃO EM ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMAS DE SAÚDE


Este ensaio crítico tem por objetivo estabelecer uma relação entre o filme reproduzido em aula “Madame Satã” de Karim Rinouz e os textos de referência “Homossexualidades brasileiras” de Richard Parker e “Entre as tramas da sexualidade brasileira” de Maria Luiza Heiborn, além de uma síntese descritiva e crítica.



“O sindicado, que também diz chamar-se Benedito Emtabajá da Silva, é conhecidíssimo na jurisdição desse Distrito Policial como desordeiro, sendo frequentador costumaz da Lapa e suas imediações. É pederasta passivo, usa sobrancelha raspada e adota atitudes femininas, alterando até a própria voz. Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao vício da embriagues. Sua instrução é rudimentar, exprime-se com dificuldade e intercala em sua conversa palavras da gíria do seu ambiente. É de pouca inteligencia. Não gosta do convívio da sociedade por ver que essa o repele, dados seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas (cafetões) e outras pessoas do mais baixo nível social. Ufana-se de possuir economias, mas como não aufere proventos de trabalho digno, só podem ser estas produto de atos repulsivos ou criminosos. Pode-se adiantar que o sindicado já respondeu a vários processos e, sempre que é ouvido em cartório, provoca incidentes e agride mesmo os funcionários da polícia. É um indivíduo de temperamento calculado, propenso ao crime e por todas as razões inteiramente nocivo à sociedade. Rio de Janeiro, Distrito Federal, doze dias do mês de maio do ano de 1932.” (Trecho do Filme “Madame Satã”)



João Francisco do Danúbio Azul conhecido como Madame Satã, mas seu nome verdadeiro é João Francisco dos Santos (Lázaro Ramos), era malandro, artista, transformista, pai adotivo, negro, pobre e homossexual, exímio lutador de Capoeira, nasceu em Pernambuco no início do século XX e viveu na Lapa dos anos 30, onde virou um mito e um símbolo da cultura marginal urbana. Sonhava em ser um grande artista dos palcos. Morava com seus amigos Tabu (Flávio Bruraqui) e Laurita (Marcélia Cartaxo) que tinha uma filha chamada Firmina. Laurita era prostituta, vinda do interior, quando chegou no Rio de Janeiro já estava grávida, foi amparada por João, que adotou sua filha. Tabu é negro, travesti e também se prostitui, cúmplice de João.
João acaba se envolvendo com Renato(Fellipe Marques), tornam-se amantes, mas ao mesmo tempo que o desejo entre ambos fica evidente no filme, no início João demonstra uma certa resistência ao sentimento.
- Sai desse mundo devasso e fedorento – diz João para Renatinho com se sentisse culpa por ser o que é e estivesse pervertendo o rapaz, o expulsa para tentar salvá-lo do mundo que ele mesmo descreve como devasso e fedorento.
Renatinho (Fellipe Marques) seu amante e traidor, certa vez tenta roubar João, mas é pego no flagrante e é expulso pela segunda vez da casa de João.
João demonstra frequentemente sua insatisfação com sua situação perante a sociedade, quer ser aceito e fazer parte dela. Uma noite resolve ir com seus amigos Tabu e Laurita no High Live Club, clube frequentado pela sociedade burguesa carioca dos anos 30, é impedido de entrar porquê lá não podem entrar puta ou vagabundo, acaba se envolvendo em uma briga com os seguranças do lugar. Se esconde da polícia por algum tempo, recebe a visita de Renatinho, seria a última vez que se veriam. Logo é preso, como era reincidente e procurado pela polícia, por um crime que não tinha cometido. Ao sair da cadeia logo descobre que seu amante foi covardemente assassinado com 3 tiros nas costas ao se meter em uma briga de bar, descobre também que em enquanto estava preso, Renatinho ajudará sua amiga Laurita.
Recebe uma proposta de Amador, seu amigo e dono do bar Danúbio Azul, para ajudar no estabelecimento e, principalmente, manter a ordem evitando tumultos na casa, assim a freguesia ficaria vendo que o local é calmo. Consegue convencer-lo a fazer espetáculos no bar, com o falso argumento de que seria uma homenagem a sua amiga Laurita que estaria de aniversário. Devido ao grande sucesso de seu primeiro show no bar Danúbio Azul, começa a fazer espetáculos frequentemente. Após um de seus shows, é insultado por um dos clientes, em primeiro momento parece conseguir conter sua raiva, todavia vai até seu casa, pega seu revólver e mata o sujeito. Por esse crime é condenado a 10 anos de prisão em regime fechado. Quando é posto em liberdade no Carnaval de 1942, desfila no bloco Caçadores de Veados, com a fantasia de Madame Satã, inspirado no filme Madam Satan de Cecil B. De Mille, e ganha o concurso do bloco. Morre no Rio de Janeiro em 12 de abril de 1976 aos 76 anos.
Madame Satã se tornou uma referência da cultura marginal, não só por possuir uma das principais características do povo brasileiro, a malandragem, mas também pela relação que estabelece com o círculo de pessoas que convive, os moradores e frequentadores da Lapa, exercendo um papel de protetor, cuidava para que as prostitutas não fossem vítimas de violência ou estupro. Temos mais de uma referência no filme dessa atuação, como protetor, seja salvando a Laurita de um cliente indesejável ou pela proposta de Amador, que somente sua presença seria suficiente para manter a ordem e evitar brigas no Danúbio Azul. Além disso o fato de ser uma figura contraditória, pois ao mesmo tempo que tem atitudes de protetor em um momento, mostra-se extremamente violento em outros, o que representa uma expressão de insatisfação e revolta com a posição que lhe é atribuída pela sociedade. O que fica evidente com sua atitude violenta após o que lhe disse a Sra. Vitória Aparecida Ximenes dos Santos Cruz, proprietária do Cabaré Lux, onde João trabalhava:
Bem que me avisaram, não confia nesse preto, ele é mais doido do que cachorro raivoso.
Ai! O nêgo ficou maluco?
Sentia uma raiva dentro dele que não sabia explicar (“... uma raiva que não tem fim e que eu não tenho explicação pra ela.”), mas quando estava fazendo um espetáculo sentia uma felicidade extasiante. Essa raiva se expressa nos momentos que sofre algum tipo de preconceito, por sua condição marginal de negro, homossexual e pobre. Enquanto a felicidade está nos momentos em que, dentro do seu ambiente, se sente aceito. Tinha sonho de reformar a sua casa, colocar a menina (filha de Laurita) em um internato de freiras francesas e levá-la para conhecer a China.
De acordo com Parker, a diversidade dos sistemas culturais no Brasil é uma das características da sexualidade do brasileiro. Estes quadros culturais múltiplos expressam não só uma única realidade sexual, mas um conjunto de múltiplas realidades. Existe uma variedade de homossexualidades diferentes, ao invés de uma única e unificada. Tanto no Brasil, como em outros lugares, a sexualidade se expressa dentro de um contexto de poder e dominação. Para entender a homossexualidade masculina no Brasil, é necessário saber que trata-se de um conceito recente como categoria sexual. Diferenciar os conceitos de atividade e passividade dentro do universo da sexualidade: o comportamento masculino padrão e normal que a sociedade impõe tem que ser identificado com a atitude de atividade, enquanto o o comportamento feminino padrão e normal está ligado a passividade. Essa atribuição é fruto de um conjunto de normas intrínsecas na cultura da sociedade, ao invés de uma posição pensada e racionalizada por cada indivíduo. A diferença entre atividade/passividade está diretamente ligada ao comportamento de dominação/submissão e é a mais pura expressão do poder exercido pela classe dominante e machista. Da mesma maneira que se expressa nas relações entre pessoas de sexos opostos, vai se expressar nas relações de pessoas de mesmo sexo, onde se observa que é menos importante o sexo biológico do que os papéis de atividade e passividade exercidos.
Durante o filme podemos identificar as relações de passividade/atividade que são expostas por Parker: na relação de João com seus amigos Tabu, Laurita e seu filha, ele representa a figura paternal na casa, cuida da criança como se fosse dele, é praticamente o marido da Laurita, enquanto Tabu se veste como mulher e se coloca em uma posição de submissão na cena que diz sonhar em ter uma máquina Singer para costurar o uniforme de seu homem e ser sua esposa. Aparentemente na relação de João e Renatinho, dentro dos modelos estabelecidos, se espera que João tenha a atitude passiva (já que João se insinua perguntando se Renatinho queria uma preta de sua altura e pede para que sinta “os coxões da preta”) enquanto Renatinho tenha a atitude de atividade, entretanto os papéis se invertem, como se evidencia em uma cena de sexo entre eles.
É lamentável se dar conta de que após anos de luta pelos direitos a liberdade sexual, que ainda não foram conquistados na sua totalidade, a classe oprimida (homossexual) reproduza os mesmos padrões de relação entre seus indivíduos que eram estabelecidos pela classe opressora, criando uma segmentação e uma desarticulação. Onde um se acha menos bicha do que outro, mais ou menos afetado e que o preconceito e a discriminação continuem sendo disseminados entre aqueles que se dizem contra essas práticas.